Sabido é que sou aficcionada em cores. Todas elas! Juntas ou separadas, me encanto com as nuances que inundam olhos e pensamentos. Natural é que traga este conceito para meu entorno, simplesmente porque me agrada e me sinto mais feliz assim. Consequência esperada é que aplicasse este gosto aos cabelos. A idéia era um arco-íris com mais de sete cores, mas não foi fácil me entender com a cabeleireira, traumatizada com reações nada amigáveis da época em que teve seus próprios cabelos coloridos (azul, prata, pink, cereja, laranja...). Ela terminantemente negou-se a juntar todos os tons que eu idealizava e tive que me contentar com dois tons de rosa, depois de deixar as madeixas crescerem por meses como prevenção, assim poderiam ser cortadas caso minha vida fosse ameaçada por algum fundamentalista aviltado com pontas de cabelo cor de rosa.
Operação concluída experimentei o prazer de me encontar, de olhar no espelho e dizer "finalmente você está sendo você". O que eu não esperava era que a ordem natural das coisas mudasse. Acontece que quando você pinta as pontas dos seus cabelos de rosa, compulsoriamente você ganha novas lentes para ver o mundo. E a constatação mais óbvia me causou espanto: onde estão as outras pessoas de cabelo colorido? Eu sei que elas existem, mas definitivamente não habitam esta cidade ou se econdem muito bem. Então fiquei chocada com a mesmice, com o padrão, com tonalidades absolutamente mortas que os cabelos por aí exibem. Achei muita graça de quem usa o mesmo penteado desde 1971 e de quem sobe no salto pois teve a ousadia de tirar quatro dedos no comprimeto e repicar as laterais. Eu não via isso antes, mas vi agora. Mas as percepções não ficaram apenas no âmbita capilar. De um dia para o outro percebi como o ar que nos circunda está estagnado, podre até, e como somos incapazes de perceber isso já que não conseguimos posicionar a cabeça um pouco acima, ou ao lado, ou abaixo, desta massa fetidamente opressora formada pelas nossas crenças mumificadas que arrastamos décadas a fio sem nos perguntar se aquilo ainda nos serve. Incrível! Mais incrível ainda é que tudo isso é escolha nossa. Sem falar no pavor à mudança que estampa os olhares. É por isso que o diferente é recebido com hostilidade por muitos de nós, afinal é um lembrete ameaçador de que estacionamos em um padrão, mesmo que isto não faça felizes, é o dedo que nos aponta o medo que, apesar de infundado, parece intransponível. Medo de vivenciar a própria essência e simplesmente ser, medo de mandar o exterior às favas e encarar o interno. E se ninguém mais gostar de mim? Esta é a pergunta pulsante na mente de todos e nunca pronunciada. Pessoas queridas, o amor próprio basta, o resto é uma consequência inevitável.
Agora imagine quão patéticas foram as últimas semanas, quando esta efervescência transbordava pelos meus poros e eu escutava uns bons quilos de perguntas retóricas sobre cabelo. Um descortinar profético acontecendo na minha mente trombando com a insistência num assunto tão importante quanto cor de esmalte, tendência tie dye para as próximas estações, lançamento do ipod 5 e por aí afora. Pois é (PoiZé!), algo tão pequeno me catapultou para uma série de percepções de uma forma tal que só posso aconselhar que todo mundo faça a mesma coisa. Veja onde pode te levar a mudança do sabor do seu suco preferido, uma nova forma de comer o macarrão sagrado do domingo, não comer o macarrão sagrado no domingo. A vida é uma soma de pequenas coisas e com pequenas mudanças, aqui e ali, chegamos facilmente às grandes.